Os 25 anos de mangás em Portugal

Em 26 de Setembro de 1996, há 25 anos, eram lançados em Portugal os primeiros mangás: Ranma ½ e Striker (Spriggan) pela Texto Editora. Na época, o jornalista de cultura do Público, Carlos Pessoa, fez uma longa matéria sobre este lançamento e cobriu todo o Amadora BD de 1996 que aconteceu de 25 de Outubro a 11 de Novembro, inclusive chegou a entrevistar os autores de Striker. Ao pesquisar na Hemeroteca de Lisboa, pude reencontrar as reportagens da época e trazer informações que estavam perdidas.

Para a Texto Editora era uma aposta grande: lançar dois títulos em simultâneo, quinzenalmente e com uma tiragem elevada, para bancas, quiosques e tabacarias em todo o país. Além disso trouxeram os autores de Striker, Ryoji Minagawa e Hiroshi Takashige para o Amadora BD de 1996. A Texto Editora, uma editora tradicionalmente voltada aos livros didáticos investiu entre 70 e 80 mil contos (350 a 400 mil euros, aproximadamente) no projeto e estavam já com Akira, Dragon Ball e Sailor Moon (Navegante da Lua) assegurados para publicação. O “Projecto Manga” era liderado por Nuno Cordeiro e havia grandes expetativas visto o sucesso dos mangás em países culturalmente similares, como Espanha e França.

 Uma notícia de outra edição do jornal, dá-nos a conhecer a programação e os convidados da edição do Amadora BD daquele ano. Dentre os japoneses estavam: Ryoji Minagawa, Hiroshi Takashige (não consta no site do Amadora BD), Yasuhito Yamamoto.

 Na edição do dia 3 de Novembro, foi publicada uma entrevista feita por Carlos Pessoa com Ryoji Minagawa e Hiroshi Takashige que reproduzimos abaixo. 


Antes de mais, agradar aos leitores

Criadores da série japonesa Striker falam ao PÚBLICO

Carlos Pessoa, foto de Carlos Lopes

O mais importante é fazer aquilo que interessa às pessoas, sem as quais nenhuma história tem a menor hipótese de êxito: este é o ponto de partida de Takashige e Minagawa, os dois autores de mangás (banda desenhada japonesa) que vieram a Portugal participar no lançamento da série Striker em língua portuguesa. É como se dissessem: o leitor, o leitor e ainda o leitor, num peculiar modo de entender a criação nos quadradinhos, permanentemente submetidos ao juízo decisivo do mercado.

Com pouco mais de 30 anos, o argumentista Hiroshi Takashige e o desenhador Ryoji Minagawa vieram a Portugal participar no lançamento da sua série mais conhecida até o momento, Striker (Texto Editora). É a primeira vez que saem do Japão, onde iniciaram há sete anos uma carreira profissional na banda desenhada. Pouco mais de 12 horas depois de terem aterrado em Lisboa, e ainda um pouco aturdidos com o desfasamento horário e as inúmeras solicitações dos leitores no Festival de BD da Amadora, falaram ao PÚBLICO com a ajuda de um intérprete.

PÚBLICO — O facto de serem publicados no Ocidente tem algum significado especial para um autor japonês?

HIROSHI TAKASHIGE — O mais importante é sabermos que muitas pessoas, e não apenas no Japão, têm possibilidade de conhecer o nosso trabalho.

RYOJI MINAGAWA — Pessoalmente, não escondo a minha preocupação relativamente à aceitação por parte dos leitores: como é que as pessoas reagem? Gostam ou não gostam daquilo que fazemos?

P. — E como é que os leitores japoneses veem o vosso trabalho?

H. T. — Há uma boa adesão por parte dos adolescentes — jovens de 18, 19 anos —que são os principais leitores das nossas bandas desenhadas.

P. — Trabalham os temas que mais vos agradam?

R. M. – Não tenho nenhum tema específico que gostasse de desenvolver...

H. T. — Exato. O que me interessa, é escrever uma história que aborde os temas em que as pessoas estão interessadas num dado momento.

P. — As bandas desenhadas que fazem são pensadas em função da previsível adesão do mercado?

H. T. — É, trabalhamos em função daquilo que nós imaginamos que as pessoas gostariam de ler.

R. M. — Mas isso não significa que não tenhamos os nossos próprios interesses e ideias. Somos autores de mangás, mas eu, por exemplo, interesso-me muito por cinema. Mas é claro, repito, que o nosso objetivo é criar algo que os leitores os aceitem.

P. — Mas se vos fosse dada a possibilidade de escolher, que temas gostariam de abordar nas vossas bandas desenhadas?

H. T. — Bem, a nossa fonte de inspiração são as notícias dos jornais, aquilo que acontece à nossa volta. Depois, escrevo de acordo com o que a situação me inspira, e não colocando-me na pele do leitor.

R. M. — É difícil de explicar, mas é como se nós estivéssemos a interrogarmo-nos perante as pessoas...

P. Há quanto tempo trabalham juntos?

H. T. — Há sete anos, quando iniciámos Striker, que foi também o meu primeiro trabalho nos mangás.

R. M. — Além da banda desenhada colaboro também na realização de jogos para computador.

P. — Como é que realizam uma história?

H. T. — Começamos por conversar sobre o tema e, em seguida, cada um de nós ocupa-se da sua parte. Eu escrevo o texto...

R. M. — ...e eu desenho a história.

P. — Trabalham muitas horas por dia?

R. M. — Temos o mau hábito de deixar tudo para o fim do prazo. Por exemplo: se tivermos um mês para apresentar pranchas, nos primeiros 20 dias pensamos no que vamos fazer, mas a realização da história só acontece nos últimos dias...

Autógrafo de Ryoji Minagawa a Vanesse Éffe.

P. — E trabalham apenas para um só editor ou é comum colaborar com vários editores?

H. T. — Em princípio, trabalhamos apenas para um único editor, a Shogakukan.

P. — Como é que se mede o êxito de um autor japonês de mangás? Quando é que se atinge o topo da carreira?

H. T. — O máximo da minha carreira é quando fico três ou quatro dias sem fazer mangás.

R. M. — Não se atinge nunca. O objetivo é fazer sempre mais e melhor, sempre melhor. É um percurso que não tem fim porque para além de um terminado objetivo está outro, e outro, e outro. É normal que se queira ir sempre mais longe.

P. — Há contatos com outros camaradas de profissão?

H. T. — Não

R. M. — De vez em quando troco opiniões e impressões com outros argumentistas.

P. — O que estão a fazer neste momento?

H. T. — Como sabe, Striker é uma espécie de minissérie que já acabou. Neste momento realizamos outra mangá, chamado “Kyo”.

R. M. — É uma série com dois polícias, ambos com o mesmo nome, Kyo. O mais velho é um personagem um pouco inclassificável, pois não se sabe bem se é bom ou mau detetive, se tem bom ou mau carácter. O seu companheiro é um rapaz muito inteligente e fazem ambos uma boa parelha. O rapaz decifra os enigmas e o mais velho é o homem de ação. Está a ser publicada numa revista mensal de banda desenhada chamada “Shonen Sunday”.

P. — A banda desenhada ocidental, europeia ou americana, é conhecida no Japão?

H. T. — O mercado japonês de mangás é muito competitivo sendo difícil entrarem autores estrangeiros. Essa é a principal razão por que quase nada se conhece do que é feito em outros países.

R.M — Mas há alguns autores que conseguiram entrar no Japão: Moebius, por exemplo, cujas obras são conhecidas. 

Striker em formato maior, Graphic Novel, da editora americana Viz, citando a viagem da dupla a Portugal.

Ranma ½ durou 12 volumes, Striker apenas seis. A Texto Editora foi vendida ao grupo LeYa em 2007. Hiroshi Takashige trabalhou em mais de dez obras entre mangás e livros. Ryoji Minagawa criou outras várias séries de longa duração e esteve envolvido no desenho de personagens de diversos jogos. Akira foi publicado integralmente pela Meribérica/Líber em 1998 e Dragon Ball pela Planeta DeAgostini em 2002. Sailor Moon nunca foi editado em Portugal.

Atualização 26 de Outubro:

Depois da publicação, este artigo foi divulgado no Twitter e marcamos ambos os autores, e para nossa surpresa, Hiroshi Takashige comentou sobre o evento e sua visita a Portugal.

Ah! Is-Isto é… (risos)
Saudades de Portugal, não é, Minagawa sensei?

Que memória profunda…

Como já tinha tuitado antes, isto é uma história de quando primeiro publicaram Ranma e Spriggan em Portugal.
Este festival estava combinado, e a Takahashi sensei declinou de ir, então automaticamente nós éramos os próximos da lista.

Este é o jornal daquela época.

Obrigado por responder.
Sim, foi na época dos primeiro mangás. Na internet não há informação sobre este evento, então fui a biblioteca e achei estas reportagens.
O senhor tem alguma lembrança de Portugal?

Comemos um sushi delicioso feito por um sushiman japonês (ele disse que tudo era local, exceto o congro) e, no dia seguinte ao da entrevista, estávamos em uma pastelaria e o senhor a nossa frente perguntou “Estes são vocês, não?” e mostrou o jornal. Rimos.
No último dia do festival era meu aniversário e as pessoas da editora local me deram parabéns e isto nunca vou esquecer.

Atualização 27 de junho de 2023:

No volume 7 de de Ranma 1/2, há uma reportagem do Amadora BD 96 e mais fotos da dupla de autores e de como foi o evento. Lê abaixo.

Também foi possível recuperar algumas fotos do evento através dos registos da Câmara da Amadora onde é possível ver o stand da Texto Editora e outras editoras. O evento realizou-se na Fábrica da Cultura.

Ao fundo de uma das imagens, há um tipo de banner com uma imagem do mangá Tennen Shojo Man de Tetsuya Koshiba. Não foi possível identificar se o título era suposto ser publicado ou outra coisa.

Fontes:

Publico

Striker, Texto Editora

Ranma 1/2, Texto Editora

Câmara Municipal da Amadora

Sendai Editora

Editora portuguesa de mangás.

https://www.sendaieditora.com/
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